História e Origem
Ainda sinto o cheiro do pequi nas mãos, forte e adocicado, misturado ao sal do suor e da água do Araguaia. Hoje finalizei uma das varinhas mais temperamentais que já passaram pela minha bancada: a Ypororoca. O nome não poderia ser mais apropriado — uma tromba-d’água em forma de varinha, que parece conter dentro de si toda a fúria e beleza do encontro entre dois grandes rios.
A madeira veio do pequiseiro, árvore símbolo de Goiás, de tronco retorcido e fruto dourado. Trabalhar essa madeira foi quase um ato de reverência: é densa, viva, exala um perfume agridoce que impregna o ateliê inteiro. Escolhi-a porque ela carrega uma resistência quase espiritual — um equilíbrio entre rigidez e doçura que eu sabia que seria necessário para conter o poder do núcleo que eu tinha em mente.
E o núcleo… bom, foi o mais perigoso que já coletei. Um ferrão da arraia gigante do Rio Araguaia, uma criatura tão antiga que alguns bruxos juram que ela é filha direta das águas encantadas que moldaram o cerrado. Passar dias à beira do rio, aguardando o momento certo, foi uma experiência quase mística. O ferrão reluzia sob o sol como metal vivo, e quando o toquei, senti uma descarga mágica percorrer meu corpo, como se o próprio rio tivesse acordado dentro de mim.
Com a junção do ferrão ao pequiseiro, a varinha se tornou algo além do que eu esperava: duas formas em uma só. Em repouso, ela é discreta, quase modesta — parece um simples ornamento de madeira, algo que se esconderia com facilidade em meio a objetos comuns. Mas quando o bruxo desperta seu poder, o ferrão reage. É como se o rio ganhasse vida dentro da varinha, e o corpo dela se completa em um fluxo líquido de energia, rugindo com a força de uma tromba-d’água.
A Ypororoca domina os feitiços elementais com uma potência inigualável. Água, terra, vento e fogo se curvam ao seu comando, como se reconhecessem a força da natureza contida em sua essência. O pequiseiro confere-lhe resiliência, a pedra do cálice — que inspirei no desenho do cabo — simboliza estabilidade, e o ferrão traz o caos das águas. Um equilíbrio precário, mas magnífico.
Em termos de fidelidade, é uma das varinhas mais leais que já produzi. A Ypororoca escolhe um único mestre, e quando o faz, se torna intransferível. Se o bruxo perece, a varinha perece com ele, perdendo para sempre o brilho e a força de seu núcleo. Como se parte do rio tivesse secado junto com a vida do seu dono.
Por isso, ela não aceita hesitação. Só se entrega a quem tem coragem de enfrentar a própria correnteza — e, uma vez ligada, jamais trairá.
Pergaminho

Informações Técnicas
Informações da Primeira Edição
Esta varinha já teve sua Primeira Tiragem, cada uma numerada e destinada a bruxos e bruxas que ouviram esse chamado.
Carregar uma peça dessa tiragem é mais do que possuir um artefato mágico: é guardar consigo um fragmento do início de uma nova era.

